"De carta em carta...
encontrando caminhos"
Entre 2003 e 2004 participei de vários cursos de formação de professores oferecidos pela Secretaria de Educação, orientados por uma professora que nos fornecia assistência pedagógica. Foi por sugestão dela que iniciei, em 2005, um trabalho de produção escrita contemplando o gênero carta familiar.
A ideia era criar um clube de correspondência na escola, promovendo uma troca de cartas entre escolas da região. Achei a proposta muito interessante porque eu estava tendo dificuldades em motivar meus alunos à escrita e a participar de outras atividades escolares. Considerei que seria muito bom começar com uma quinta-série, pois essa turma estava apresentando mais dificuldades em se adaptar à rotina escolar.
Assim, em 2005, convidei uma colega da cidade de Macatuba, cidade perto de Bariri, para iniciarmos o intercâmbio. Por dois anos mantivemos correspondência e nos encontramos duas vezes. Nas cartas, os alunos eram motivados a trocar experiências de leitura, já que as duas escolas trabalhavam com as mesmas obras e os mesmos autores. Eles falavam dos livros que liam e dos projetos que estavam sendo desenvolvidos em suas classes, além de trocar informalidades de adolescentes. Foi delicioso. Descobri o quanto o interesse é despertado quando a atividade é significativa. E nada mais interessante para o jovem que conhecer pessoas diferentes.
Após dois anos de troca de cartas, finalizamos a correspondência formal e alguns alunos continuaram se corresponder por meio eletrônico. Até hoje ainda temos notícias dos amigos de Macatuba nos sites de relacionamento da internet.
O projeto foi tão bem sucedido que passei a adotá-lo como uma atividade permanente na minha prática pedagógica. Assim, em 2007, convidei uma outra professora da cidade de Mineiros do Tietê para formarmos um novo clube de correspondência.
Foi tão significativo quanto nas versões anteriores, embora não tenhamos realizado nenhum encontro. Isso foi frustrante. Tanto as professoras quanto os alunos entristeceram-se com a decepção. Planejamos durante todo o ano como seria nosso encontro e contávamos realmente com a possibilidade e, devido a falta de recursos financeiros, não pudemos realizar as viagens.
Parece algo rotineiro em uma escola pública o fato de não conseguirmos concretizar uma proposta, quando há exigência de verba. Entretanto, isso me abateu de maneira intensa e só depois de um tempo de reflexão pude avaliar o impacto. Senti-me impotente e fracassada. Tinha a sensação de ter falhado com eles, de ter alimentado um sonho em vão. Também me desapontou muito constatar a falta de colaboração, por parte de outros membros da equipe escolar, no desenvolvimento do projeto e em sua conclusão.
Penso que foi uma sensação de solidão e desamparo que me levou a repensar a continuidade de meu trabalho.
Na avaliação do projeto, que fiz sem meus alunos, resolvi que mudaria o seu formato. Trabalharia o gênero carta familiar, contudo não envolveria desconhecidos e encontros. Assim planejei e assim realizei. Foi um fracasso. Não consegui motivar ninguém, porque eles escreveram para seus antigos professores, que não responderam suas cartas; escreveram para tias e primos, que já conheciam e também não responderam suas cartas e até para uma atriz de televisão, que enviou uma foto autografada, mas isso não significou muita coisa para eles, pois alguns deles nem tinham interesse em conhecê-la.
Foi algo bem negativo, mas não devastador. Novamente na minha avaliação, agora já junto com os alunos, resolvemos investir mais uma vez no clube de correspondência. Todos concordavam: a proposta inicial tinha dado muito certo para ser descartada. Refletimos sobre o que havia prejudicado o sucesso do projeto e o que gerou benefícios para o grupo. Assim, por sugestão de J. da 8ª A, resolvemos trocar cartas com crianças da APAE. A idéia surgiu porque eu havia convidado a turma para fazer algum trabalho envolvendo o tema da vida de pessoas com deficiência (projeto geral da escola). Os alunos apresentaram propostas e uma delas foi retomar o clube de correspondência com os novos amigos da APAE, além de realizar encontros.
Durante todo o ano de 2009 trocamos cartas com os novos amigos e nos encontramos duas vezes na escola. Para os encontros os alunos participaram da organização de duas festas: uma de boas-vindas e uma festa junina, com casamento caipira e forró. Em outros momentos da aula tivemos oportunidade de entrar em contato com outros gêneros textuais, como notícias, reportagens, publicidades e artigos de opinião. Foi muito enriquecedor, porque nessa fase do projeto exploramos a temática das pessoas com deficiência e aproveitamos para explorar questões de ética e cidadania.
A carta passou a ser o objeto de atração para o projeto, as discussões foram se tornando acirradas e o comportamento dos alunos e suas atitudes foram se transformando ao longo do ano. Eu também mudei muito, investi mais no preparo de minhas aulas e passei a me importar bastante com a avaliação e reflexão do que eu observava ou obtinha como resultado concreto, no caso, as produções escritas.
Ainda no final de 2009 surgiu a vontade de participar de trabalho voluntário a partir do que meus alunos observaram em atividades de estudantes do Ensino Médio: estes criaram uma sala de informática na APAE e, semanalmente, frequentavam a instituição para oferecer aulas para diversas turmas de pessoas com deficiências.
Motivados pelo voluntariado, interessaram-se em participar de atividades desse tipo e envolveram-se na criação de uma sala de leitura na APAE, colaborando na campanha de arrecadação de livros. Aproveitando essa motivação, lancei a proposta de visitarmos os nossos amigos semanalmente para contarmos histórias para eles e, assim, começamos a nos organizar para o ano de 2010. Além de trocarem cartas e encontrarem-se pessoalmente, organizamos as contações de histórias.
Outra novidade de 2010 : a troca de correspondências com alunos de Vilhena, cidade de Rondônia. Conheci a professora Nidiane em Brasília e lá mesmo elaboramos o projeto.
Para não deixar nenhuma turma minha de fora desse delicioso projeto envolvendo amizades e comunicação, comecei a realizar a troca de cartas entre minha sexta-série da Escola Ephigênia com o sétimo ano da Escola Joseane. (Outro sucesso garantido. Meu Deus, como não pensei nisso antes?)
Fiz registros diários dessas atividades e os aproveitei para analisar e replanejar.
Agora, depois de refletir, descobri como foi importante o fracasso que me deixou "tão abalada". Por meio dele, percebi que não é fundamental a realização do encontro, tanto é que a troca com a Rondônia não tinha a menor expectativa de encontro e foi igualmente produtiva, aliás acabamos investindo no uso de outras linguagens, a digital.
Como o projeto tornou-se para mim uma atividade permanente, todos os anos planejo uma troca de correspondência com alguma turma minha ou, às vezes, com todas elas, porque de carta em carta sempre encontro o melhor caminho.